O padre não binário que está a tornar a Igreja de Inglaterra menos conservadora
"A criação está cheia de variedade. É isso que aprendemos com a criação — Deus ama a variedade", defende o sacerdote.
Bingo Allison, o primeiro sacerdote abertamente não binário — pessoa que não se identifica como sendo do género masculino ou feminino — a ser ordenado na Igreja de Inglaterra, tem-se dedicado a demonstrar que não há necessidade de escolher entre a fé e a identidade de género. A descoberta do sacerdote foi feita aos 29 anos, quando era já um homem casado, pai de três filhos e se encontrava a meio da formação necessária para ser padre da Igreja Anglicana.
“Não conhecia nenhuma pessoa trans e penso que, provavelmente, até ali só tinha conhecido dois gays na minha vida. Tinha questionado a minha identidade algumas vezes antes, mas faltava-me o vocabulário para descrever a minha experiência e não chegava a lado nenhum. O facto de ter crescido numa forma conservadora de cristianismo significava que isso estava muito além da minha imaginação. Estava em negação, nomeadamente em relação à identidade de outras pessoas”, disse em entrevista ao “Liverpool Echo”, aqui citada pela “Visão”.
Começou por pensar assumir a sua identidade apenas mais tarde, mas depois de saber definir-se, escondê-lo ficou complicado. “Foi muito mais difícil do que pensava ter feito o coming out para mim e depois continuar no armário”, conta. No processo de autodescoberta, que envolveu falar com a mulher e os filhos, que acabaram por se mostrar recetivos às novas informações, houve, contudo momentos decisivos. Um deles aconteceu enquanto escrevia um ensaio sobre como Deus criou a Terra. A frase “da masculinidade à feminilidade”, em Génesis 1:27, na Bíblia, permitia interpretar que Deus aceita a possibilidade das pessoas se transformarem.
“Estava ali sentado, a meio da noite, quando me apercebi de que talvez precisasse de virar a minha vida de pernas para o ar. Foi uma experiência espiritual profunda, senti que Deus estava a guiar-me até esta nova verdade sobre mim”, comenta. A partir daí procurou afastar-se da sua visão tradicional. “Tento envolver-me, não só no meu trabalho religioso, mas também fora dele, com os grupos de jovens LGBT locais”.
Para isso, o padre, ordenado em setembro de 2020, vai frequentemente a escolas, de modo a ajudar a normalizar a comunidade junto dos mais novos. “Quando estou a usar o meu colarinho, isso faz com que os mais novos saibam que está tudo bem e que há um lugar na Igreja e no mundo exterior para pessoas como eu”.
Também usa as redes sociais, onde já disse várias vezes que “Jesus adora sombras de olhos brilhantes”, para passar a palavra. Foi, contudo, numa entrevista há poucos dias, ao programa “This Morning”, da ITV, que captou maior atenção.
“A criação está cheia de variedade. É isso que aprendemos com a criação — Deus ama a variedade. Deus cria todos estes animais diferentes, ainda estamos a descobrir novos animais, e o facto de ainda estarmos a descobrir novas formas de compreender o género faz todo o sentido para um Deus que ama a variedade”, explicou quando um dos apresentadores comentou achar “encantador” Bingo dizer que tem a identidade masculina e a feminina.