“Queremos dar a oportunidade ao homem de retribuir o que tem recebido da mulher”, diz o fundador. Há peças florais, transparentes e rendadas.
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Embora seja uma peça que apenas está visível em momentos de intimidade, a roupa interior é uma grande aliada da confiança. Muitas mulheres, por exemplo, sentem-se mais poderosas quando usam determinadas peças lingerie. No caso masculino, além da oferta disponível no mercado ser muito padronizada, também existe receio por parte dos homens em apostarem em peças de underwear mais arrojadas. Contrariando esta tendência, Jorge Santana, que se encontra na casa dos 40, lançou a Etseo, uma marca de roupa interior masculina que vê no feminismo a sua principal força.
A insígnia, que pretende sacudir preconceitos de género, foi criada com base em duas motivações distintas. Numa altura em que Jorge se dedicada à prática desportiva intensa, percebeu que havia uma lacuna ao nível do vestuário desportivo, que tem vindo a ser colmatada aos poucos. Considerava a roupa interior para treinar, por exemplo, muito desconfortável — algo que se propôs alterar.
Aliada à identificação desta oportunidade de mercado, o empreendedor sentia também a necessidade de encarar a vida de outra forma. Constantemente deslocalizado no estrangeiro devido ao trabalho como engenheiro, passava pouco tempo com a família, e viu no projeto uma possibilidade de se reaproximar dos familiares e do País. Apesar de nunca ter estado ligado à produção de moda, apostou na criação de um negócio neste segmento específico: “Existe uma falta de competitividade na roupa interior masculina. Além disso, enquanto produto, não é difícil colocar no outro lado do mundo, porque a logística da moda é mais fácil do que a logística de outros negócios”.
“Comecei a preparar a ideia para mais tarde voltar a Portugal”, conta à NiT. Conseguiu que o registo da marca fosse aprovado em 2021, mas só em março de 2022 é que o primeiro artigo foi colocado à venda. Nascia assim a Etseo: “sendo Lisboa a capital mais ocidental da Europa continental, estamos a oeste de todo o mercado. Oeste lido ao contrário dá ‘etseo’”, explica o fundador.
Entretanto, a marca sofreu alterações. Manteve-se a inspiração inicial no conforto, mas os princípios e a missão da insígnia ocuparam um lugar de destaque. Afirmando-se como feminista, o objetivo de Jorge passou a ser a mitigação de estereótipos machistas e o combate à masculinidade tóxica. No contexto da marca, isso traduziu-se na utilização de padrões ou materiais que ainda são usados sobretudo em peças destinadas ao público feminino. Jorge deu por si a questionar porque é que a roupa interior às flores, por exemplo, continua a ser associada à falta de masculinidade — e resolveu recorrer a este estampado. A discussão sobre a barreira que distingue o feminino do masculino continua nos boxers com transparências ou rendas, que suscitam ainda mais estranheza.
Após perceber a ausência de diversidade na roupa interior masculina, que era muito homogénea, procurou fazer a diferença, trazendo algo diferente para o mercado. A convicção de Jorge de que todas as ideias são passíveis de ser exploradas serviu como pilar à criação de uma marca com uma forte estrutura de ideias por trás. O público alvo, essencialmente, são homens com “uma mentalidade aberta” e que percebam a “capacidade de adaptação [a novos pontos de vista]”. Esta abordagem aos estereótipos machistas é especialmente importante “em países onde a população está presa a várias tradições obsoletas”, observa.
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O feminismo e a masculinidade não são incompatíveis.
“Digo-lhe que uma pessoa que veste uns boxers com flores, tem um ordenado superior do que uma pessoa com uns boxers às riscas, porque é mais flexível, ousado e capaz de ir mais longe. São os valores da sociedade atual e o macho português tem que ter cuidado”, considera Jorge Santana.
Apesar de trabalharem com coleções, a questão da sazonalidade não é um problema para a Etseo. “Achámos que a roupa interior de homem funciona porque é muito menos sensível às estações do que a mulher. Há marcas que vendem o mesmo produto há dez anos”, explica.
Reparações históricas
“A ideia [desta linha] partiu deste facto: eu vivo numa família de mulheres”, avança. “A cultura onde nós vivemos é uma cultura machista e, durante décadas, órgãos de comunicação social e meios de publicidade viveram da exposição do corpo da mulher, mas não se encontra o inverso”. Contrariando a ideia de um homem resguardado, a marca questiona se ele tem coragem de retribuir à mulher aquilo que ela merece — desfrutar do corpo e da beleza masculina. Uma vez que, ao longo do tempo, o ónus do belo recaiu sempre sobre a figura feminina.
“Gosto de colocar este desafio ao homem e gosto desta perspetiva da mulher a observar o corpo masculino. Está entre o desafio e a provocação, mas é saudável”, conclui. “O homem anda a apreciar a beleza da mulher há séculos, sem dar nada em troca. Nós queremos, com esta linha de produtos, dar oportunidade aos homens de retribuirem com a sua beleza aquilo que sempre têm recebido das mulheres”.
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As várias linhas adaptam a gostos muito diferentes.
Consciente de que não é uma marca mainstream, Jorge sublinha que “existem pessoas que não conseguem sair do ciclo habitual, inclusive as mulheres, que podem pensar que são peças com alguma feminilidade”. Para Jorge Santana, esta perspectiva está na base da confusão que existe em torno do conceito de feminismo, que muitas pessoas acabam por associar a uma ideia de falta masculinidade. Não obstante, o engenheiro acredita que as peças da da sua marca podem contribuir para aproximação sexual tanto dos casais heterossexuais como homossexuais.
Trata-se, sobretudo, da capacidade de “aceitar a diferença, viver fora da caixa e ser mais maleável face a várias situações”. Aliás, quem é capaz de o fazer com roupa interior, consegue transportar essa postura para o emprego, para um projeto ou até para uma relação: “Não ter medo de não ser macho é proteger a mulher, porque o macho tem tratado mal a mulher ao longo dos anos.”
“Na altura, contratámos uma consultora que nos desenhou as peças”, explica, sobre a produção. “Depois, apanhámos um avião para a Interfilière [principal feira internacional de lingerie], em Paris, onde tivemos contacto com fabricantes europeus e selecionámos os tecidos. A produção é feita em ateliers em Lisboa”.
Também a produção está ligada ao feminismo e à procura de justiça, fazendo com que o processo seja feito em Portugal. Existiu, desde o início, uma recusa em entrar num mercado barato, que explora pessoas com más condições laborais, nomeadamente mulheres com contratos precários.
Numa fase inicial, a aposta é sobretudo no mercado da União Europeia. Porém, existe curiosidade por parte do responsável em explorar economias mais avançadas, como a Coreia, o Japão, o Canadá e os EUA. Através de parcerias com empresas locais, querem entrar em “mercados de gama alta, com maior capacidade financeira e maior abertura cultural”.
A roupa interior da Etseo está disponível no site da marca e os preços oscilam entre os 28€ e os 35€.