A crescente sensibilização para os microplásticos no solo e na água doce destaca a necessidade de enfrentar uma ameaça ambiental geralmente associada aos oceanos.
![Microplásticos também são um problema na água doce e no solo]()
Numa recente ida a um supermercado local na cidade de Bayreuth, no sul da Alemanha, Christian Laforsch decidiu contar o lixo de plástico que encontrou no trajeto.
"Foram 52 objetos apenas numa caminhada normal", contou o Laforsch, ecologista da Universidade de Bayreuth. "O problema começa dentro de casa antes de passar para o exterior. Se abrir a sua porta e olhar para a rua, verá plásticos".
Mudança de foco
Com o tempo, os resíduos plásticos são desgastados e decompõem-se em fragmentos minúsculos: os que medem menos de 5 milímetros de diâmetro são definidos como microplásticos. Ainda pouco se sabe sobre a ameaça que representam para o ambiente e para a saúde humana.
A falta de conhecimento é particularmente acentuada quando se trata do solo e da água doce, já que a investigação até à data tende a concentrar-se nos microplásticos nos oceanos. No entanto, a poluição por microplásticos terrestres pode ser quatro a 23 vezes superior à dos mares.
"Começámos como investigadores no sistema marinho, depois passamos para o sistema de água doce e ecossistemas terrestres", disse Laforsch.
O interesse na poluição por microplásticos nos solos tem crescido ao longo dos últimos anos.
Por exemplo, em 2018, uma pesquisa rápida no Science Direct por artigos sobre o assunto resultou em pouco mais de 150 resultados em comparação com cerca de 450 para os oceanos. Mas em 2022, os números são de 2 300 a 2 400, tanto para os solos como para os oceanos.
"As pessoas que trabalham em ciências ambientais descobriram que os microplásticos estão em todo o lado", diz Nasrollah Sepehrnia, físico do solo da Universidade de Aberdeen, no Reino Unido.
No entanto, investigar os seus efeitos em ecossistemas como os solos é um desafio.
"A monitorização e rastreio desses materiais é complexa, e o seu destino no solo não é claro", disse Sepehrnia. "Mas é muito provável que encontrem uma forma de entrar na nossa cadeia alimentar - e podem ter impacto no nosso clima e no ambiente".
O progresso na frente da investigação poderia ajudar a identificar formas de reduzir os microplásticos e qualquer efeito que estes tenham sobre a saúde humana. Com a recente proposta da UE de limitar a utilização de microplásticos na indústria e o apelo das Nações Unidas no mês passado para que os países trabalhassem no sentido de eliminar a poluição por plásticos, a investigação também poderia ajudar a determinar as áreas mais importantes para novas ações regulamentares.
Solos sujos
O projeto TRAMPAS financiado pela UE em que o Dr. Sepehrnia trabalha está a investigar a poluição por microplásticos nos solos. O foco está nos impactos biológicos, químicos e físicos, incluindo os efeitos potenciais sobre os agentes patogénicos.
A superfície ou poros dos microplásticos podem criar habitats artificiais para organismos causadores de doenças e protegê-los em ambientes externos agressivos, de acordo com Sepehrnia.
"Microplásticos no solo poderiam ser um bom porto ou abrigo para outros contaminantes, aumentando potencialmente a vida dos agentes patogénicos", afirmou.
O projeto utilizará uma nova abordagem para monitorizar o movimento das bactérias, aproveitando o ADN sintetizado para acompanhar a forma como os organismos são transportados no solo através dos microplásticos e onde vão parar.
Ao estudar partículas microplásticas medindo 1,5, 3 e 5 mm, a equipa da Sepehrnia notou que quanto menor for a partícula, mais tempo os contaminantes, tais como bactérias, parecem permanecer no solo.
"Esta informação ajuda-nos a seguir o trajeto dos contaminantes", disse. "Podemos então utilizá-la para definir práticas e regulamentos de gestão".
Os microplásticos no solo podem mesmo desempenhar um papel no aquecimento global.
Os plásticos libertam gases com efeito de estufa à medida que se decompõem no solo. Além disso, as bactérias que vivem à boleia dos microplásticos podem contribuir para aumentar a quantidade de dióxido de carbono libertado.
O trabalho do TRAMPAS indica que as alterações na superfície dos microplásticos degradados podem tornar os solos hidrofóbicos e, como resultado, mais difíceis de permear pela água.
Águas turvas
Depois de se deslocarem através do solo ou chegarem de outras fontes, tais como estações de tratamento de esgotos e escoamento de ruas, os microplásticos acabam muitas vezes em riachos e rios antes de correrem para o mar. O projeto LimnoPlast, financiado pela UE e liderado pela Laforsch, estuda os microplásticos em massas de água doce. A equipa está a investigar as fontes, impacto, opções de remoção e possíveis respostas políticas a este invasor invisível.
Até agora, o LimnoPlast descobriu que alguns plásticos biodegradáveis são potencialmente tão nocivos como os plásticos tradicionais. Por isso, é importante analisar a mistura completa dos constituintes nos plásticos em fim de vida, de acordo com Laforsch.
Um desafio é que os microplásticos são um conjunto diversificado de contaminantes de vários tipos, tamanhos e formas de polímeros e não um único material. É importante, por isso investigar estas diferenças. Saber mais ajudará a informar as práticas de fabrico e a regulamentação da UE sobre os microplásticos mais nocivos.
«Pode ser que apenas algumas dessas propriedades sejam responsáveis pelos efeitos que vemos», disse Laforsch. «Se soubermos que propriedades são mais nocivas, podemos concentrar-nos mais nelas quando se trata da concepção de novos polímeros».
Possibilidades promissoras
A LimnoPlast está a testar um método de remoção que utiliza um campo elétrico para isolar partículas microplásticas em águas residuais. Os investigadores estão também a desenvolver novos polímeros biodegradáveis feitos de cascas de laranja.
"É difícil dizer quando conseguiremos ter um novo material, mas neste momento as coisas parecem promissoras", disse Laforsch.
Para além da esperança de lançar as bases para um quadro legal europeu melhorado para os microplásticos, a LimnoPlast está a formar uma nova geração de cientistas interdisciplinares na área que têm uma compreensão do contexto social mais amplo dos microplásticos.
O projeto reúne peritos com formação em ciências ambientais, técnicas e sociais de 14 instituições e organizações de investigação de toda a Europa, incluindo Dinamarca, França, Alemanha, Eslovénia e Reino Unido.
"Não se pode enfrentar uma questão ambiental olhando apenas para a parte da ciência natural", disse Laforsch. "É necessário incluir as ciências sociais e todos os aspetos jurídicos".
Expandindo essa ideia, salientou a necessidade de pensar de forma conjunta também nos ecossistemas.
"Devemos deixar de falar de ser um problema do mar ou da água doce ou do sistema terrestre porque está tudo interligado", disse Laforsch.
A investigação neste artigo foi financiada através da MSCA (Marie Skłodowska-Curie Actions). Este artigo foi originalmente publicado na Horizon, a Revista de Investigação e Inovação da UE.
MISSÃO DA UE: UM PACTO EUROPEU PARA OS SOLOS
O "Pacto Europeu para os Solos" procura, entre outros objetivos, reduzir a poluição do solo e proteger as numerosas espécies que nele vivem. Atualmente, estima-se que 60-70% dos solos da UE não são saudáveis.
A Missão reflete o papel do solo como base para a produção de alimentos, água doce, biodiversidade e património cultural. 100 locais de teste, incluindo em explorações agrícolas individuais, vão liderar o objetivo da Missão de transição para solos mais saudáveis até 2030.
MISSÃO DA UE: RECUPERAR OS NOSSOS OCEANOS E ÁGUAS
"Recuperar os nossos Oceanos e Águas" visa reduzir a poluição nos mares, rios e lagos europeus através da investigação, inovação e, não menos importante, do envolvimento público.
A Missão promove a cooperação regional nas áreas afetadas na Europa através de «faróis» nas principais bacias marítimas e fluviais: Atlântico-Ártico, Mar Mediterrâneo, Mar Báltico-Mar do Norte e Danúbio-Mar Negro.
Na tentativa de alargar o interesse e impacto, a missão inclui uma carta para a qual a Comissão Europeia está a convocar o apoio de uma vasta gama intervenientes. Incluem autoridades públicas, filantropos, investidores, empresas, organizações não governamentais e instituições académicas.